É no natal quando mais me lembro que morreste. No ano
passado, fui a palhaça de serviço, fiz toda a gente rir e toda a gente são 3
pessoas. O natal lembra-me que não tenho uma família grande. Bebi todo o álcool
que pude, é provável que tenha chorado umas lagriminhas, não quis saber de
fantochadas, prendinhas e luzinhas. Pró caralho com a hipocrisia. Quis saber de
drogas e de merdas que me iam ajudar a esquecer que é no natal, quando mais me
lembro de ti. E esta sou eu a fumar charros com desconhecidos, esta sou eu numa
cidade nova, e esta sou eu a cantar na rua e a escrever disparates em cadernos
gastos. Disparates! Todos os meus sonhos são disparates.
As ruas estão iluminadas e as pessoas compram tralhas para
trocarem umas com as outras, os sem-abrigo continuam sem-abrigo, o frio
continua frio, rios de dinheiro gastos em comida que ninguém vai comer, só para
enfeitar a mesa, para dar o ar, para fazer sala. Os comboios continuam
atrasados, as rádios cospem musiquinhas natalícias e só me apetece vomitar.
Estou numa avenida qualquer de Londres, sozinha e bêbada e tudo me parece de
mentira. Eu continuo viva e tu continuas morta e é no natal quando mais me
lembro.
Esta sou eu nos parques, a fumar erva e a beber JD, esta sou
eu à procura de minha casa, a pensar na vida depois da morte, a passar a música
a frente, a ouvir o mesmo álbum até à exaustão. A caminhar para casa, é tarde,
é perigoso mas eu também sou. Mais disparatada que a morte, só mesmo a vida.
O natal acabou e eu estou aliviada. Não há mais fretes, não há
tantas farsas nem tantas pressas. Eu continuo lunática. Ando de comboio e as
pessoas são estranhas e fechadas, centradas nos jornais, nos telemóveis, as
pessoas acham que estão informadas mas elas não percebem nada. Não sabem o que
se está realmente a passar. Eu costumava escrever e olhar para a janela, na procura
daquele ponto no horizonte que me ilumina o raciocínio. Eu procurava inspiração
nas pessoas… Eu era ingénua. Eu achava que tinha um discurso firme o suficiente
para iluminar o mundo… eu era ambiciosa. Mas isso eram só os meus sonhos e já
se sabe que são disparatados.
Eu não gosto de ser contra-sistema, não gosto de ser a carta fora do baralho, a ovelha negra. Mas esta sou eu e não da para ser cego depois de ver.
Tu sabias quem eu era muito antes de eu ser alguém.
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