segunda-feira, 15 de abril de 2013

Eu ainda sinto raiva, ela é um rio que corre dentro de mim e não sei realmente como a calar. Mas gostava.
Eu não nasci para ser rica, eu nasci para ser livre!

EXTREMODURO. OTRA INÚTIL CANCIÓN PARA LA PAZ

Estamos em Paredes de Coura, deitados na relva sobre o meu lenço que conta já muitas histórias. Já arrumamos a tenda, o festival acabou mas nós ficamos mais um dia porque não queríamos realmente abandonar aquele lugar. Os nossos amigos foram-se embora no fim dos concertos e ficamos sem boleia. Mas não queríamos mesmo saber. Estamos debaixo das árvores que deixam escapar alguns raios de sol, está calor e nós fumamos o último charro, com o último cigarro e por sua vez a última mortalha. Vemos os vizinhos arrumar as tralhas, todos se íam embora, de regresso à vida normal, à vida que nós tentamos sempre fugir. Porque aqui somos livres, somos jovens para sempre, principalmente somos nós próprios mas todos os festivaleiros têm, por traz, trabalhos chatos, em escritórios ou locais fechados, com horários e despertadores. E naquele momento, eu morava sempre. Nunca te disse, mas achei que não ía sobreviver ao concerto de ornatos, achava que ía chorar baba e ranho, que me ía lembrar do que quero esquecer, achava que ía realmente sentir a angustia da qual todas as canções falam… Mas, isso não aconteceu, e suspeito eu que foi por estares lá comigo. Falamos de banalidades, planos que nunca se concretizaram, as promessas do ano que vem, de pessoas, amigos em comum, e no fim do dia viemo-nos embora. Subimos para a vila, custou imenso e tu estavas sempre a dizer que faltava pouco mas eu só via monte!!! Ainda por cima com a casa às contas… Por fim, arranjamos boleia e voltamos. Pouco te vi desde então, às vezes encontrava-te na rua, e íamos tomar um café, estavas sempre com ideias de desaparecer, eu não sabia se era o trabalho, ou que raio era. Sabia dos teus vícios…mas não sabia da gravidade dos mesmos. Então, um sábado nasce o meu dia perto das quatro da tarde, tocam à campainha, e eu com o clássico humor azedo de quem acorda de ressaca, nem respondi. Mas insistem, insistem muito e é para mim. Era o teu pai, não sabia de ti, saíste de casa baixo a desculpa de ir jogar à bola e não apareceste mais. Ultimamente sempre que combinava contigo marcávamos uma hora mas tu nunca aparecias, ate fiquei ofendida, mas eu não sabia… Eu não sabia que andavas a fazer tratamentos, não sabia que tinhas saído do trabalho, não sabia que estavas viciado, que fumavas todos os dias, que já te picas… que só contas mentiras. Não sabia que atrás desse olhar azul marinho havia tanto engano, ou desespero, ou não sei… Mas o sufoco que senti dura ate hoje. Felizmente apareceste, o que não resolve nada. Parte-me o coração pensar, nesse dia vinha na rua e não consegui conter as lágrimas. Adormeci a chorar, e já não me lembrava de dormir embalada em tal mágoa. Eu disse-te, tu não sabes como são as coisas aqui dentro da minha cabeça, que apesar do meu sorriso ou da boa disposição que adoras, sou muito sombria. Que me passaram as piores coisas pela cabeça, imaginei um dia encontrar-te a arrumar carros, a dar o cú, eu sei lá, mas a pior das imagens que me veio à mente foi logo a primeira, e tu estavas num caixão. Por favor! O céu não devia permitir sequer eu pensar assim. Mas afinal o céu não manda nada… eu atirava-te uma escada, dava-te a mão, não sei. Afinal também não procuras ninguém pois a tua vida é uma mentira que te contas a ti mesmo. E a escrever sinto as mãos a tremer, o coração a tremer e as lágrimas a escorrer.